Na semana passada contei-vos que o Chico-Piolhos foi apanhado pouco depois de ter assaltado o ''ciberespaço ambulante'' que o Salvador mantém na parte de trás do seu gigantesco Cadillac dos anos 50.

O homem, tendo obtido o direito a liberdade condicional (por se ter mostrado um preso-modelo, quer em termos disciplinares quer tecnológicos), acabou por regressar à prisão por não ter resistido à tentação de um modem ultra-rápido que vira no carro do nosso amigo. Desta vez, e no seguimento do grande esforço que a justiça portuguesa está a fazer para não deixar prescrever processos, o nosso larápio foi rapidamente julgado. Mas, quando se diz ''rapidamente'', não quer dizer que o julgamento fosse fácil:
É que a formação tecnológica do juiz a quem o caso calhou era muito fraca. E o Salvador viu-se enredado numa incrível tentativa de explicar ao magistrado o que era um modem!

- Modem vem de moda? - perguntava, sorrindo mas verdadeiramente interessado, o causídico.
Perante o embaraço do queixoso, o próprio detido achou por bem intervir e esclarecer:
- Não, Senhor Doutor Juiz. Vem de modular-desmodular, mas em inglês. Modulate-demodulate, salvo erro. O grande problema, na nossa Sociedade a caminho da digitalização, é que, quando a ligação é puramente analógica...

Mas o juiz atalhou, benévolo: - Chega, chega! Estou esclarecido. Modem, então, não vem de moda, vem de lógica.
E, com pouco mais formalidades e inquirições, e tendo em atenção o bom comportamento do arguido, acabou por condenar o Chico a 14 dias de serviço a favor da comunidade.
- Catorze?! - resmungou ele, baixinho - E porque não cinco ou dez?! Deve ter sido por causa dos 14 k do aparelho!

Dias depois, íamos os três (eu, o Salvador e a D. Rosa) no carro a caminho de mais uma intervenção tecnológica quando vimos, à chuva e ao frio, o desgraçado do Chico, com um grande saco preto, a apanhar papeis do chão com uma varinha. Não resistimos a abrandar junto dele. Olhou para nós, franziu o sobrolho, e fez-se um estranho silêncio pois nenhum de nós sabia o que dizer. E foi o próprio Chico que, pondo a custo o pesado saco às costas, nos despachou:
- Vá, vão lá à vossa vida! E vejam se não demora muito a Sociedade Sem Papéis!